terça-feira, 14 de agosto de 2007

POESIA RETORNO A UMA AMIGA À MORTE

Chove forte, dois pingos, são lágrimas.

Suficiente para afundar, me afundar na serra.

Te afundar na serra, pra nunca mais voltar.

Ancorada. Rodeada de árvores, árvores com fios. Algumas pombas e nada mais.

À noite acendem. De manhã apagam. As pombas nunca voam.

A fumaça impede tudo e todos.

Enquanto isso, eu durmo, ou finjo.

O cobertor me prende, ele pesa em meus ombros.
A artrite também, essa não sai das minhas juntas. Junto com os pombos.

A chuva não pára. Minha cama inunda. E eu não levanto.

Acho que você é que é feliz. Você que mora em dois lugares: aquele meu, que bate, bombeando sangue. E aquele seu, que apanha, distribuindo tarefas, e a distância.

A distância que se tornou passageira.

Sofro demais nesse meio tempo de cinco segundos. Cinco dias. Cinco anos.

Cinco são as semanas de intimidade? Ou seriam cinco semanas e cinqüenta e dois dias?

Quantos serão os minutos de amor? Só a chuva pode responder...

Ela se preocupa mais em chorar. Em não me deixar levantar.

Meu corpo pesa menos que meu coração. Minha consciência continua menor que meu nariz. E minha vergonha... essa foi embora contigo.

Parte de mim se foi. Não pela vergonha, mas pela alma. Minha alma subiu, subiu para o meu lugar, o seu lugar, aí do lado. Grudada, em seus poros, em cada fio do seu cabelo.

Sinto a água virando pedra. Talvez cimento. Talvez minha cova.
Cobertor escuro. A escuridão ainda é pior que essa luz cinza, mas, estamos vivos, ainda.

Você, pelo menos. Eu continuo deitado, com meu dilúvio, meu dilúvio concreto.

Eu chamaria de peso na consciência, mas meu nariz ainda pesa mais.

Chamaria de vergonha na cara, mas minha vergonha se mantém em seus cabelos.