terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

A CHUVA

Enquanto ela corre, a chuva não pára, não para ela. Tentando ao máximo se manter de pé em seus saltos, vai escorregando, escorrendo, pelas beiradas, suada, molhada, fingindo que ninguém repara. Assim como a chuva, a chuva, essa não pára.

Ouve-se ruídos, um bipe, um gemido, um celular a tocar. Ela não atende, está mais preocupada em chegar ao seu destino. O celular toca sem parar. Agora, não tem mais como fingir que não reparam, todos olham. Todos vêem aquela mulher correndo em círculos, dando voltas, tentando contornar o quarteirão, tentando desenhar seu rumo. Carros passam desapercebidos, motos cortam a chuva, desaparecendo. Não se vê bicicletas ou pedestres em sã consciência. A chuva ameaça inundar, ameaça alagar, e afogar. Ameaças que pra ela nada significam. Não há tradução sensata às ameaças sem sentido, desfiguradas, entre a chuva e a ventania. Outro bipe, mais um toque, agora, apenas um.

Outra esquina. Parece não ter fim. Não se sabe onde ela quer chegar, nem ela sabe onde chegará, a chuva a cegou. Ela quer ir pra casa, seu lar, quer se secar, ou se afogar de vez.

Agora, não há mais ruídos, não há mais chuva, ou vento. Não há mais nada. Tudo que existe é a mensagem de perdão, naquele aparelho, que foi jogado longe, longe... Em outra estação. Junto com todo seu resto, tudo que sobrou foi o nada. E o sangue. E a chuva. ah... essa não dá conta de limpar tudo.