quinta-feira, 28 de maio de 2009

ÚLTIMO ANDAR À ÚLTIMA CAMINHADA

Ele acordou nessa data tão importante com o barulho da pia pingando. A pia pingava e, no seu copo, apenas água. Era mais um engano.
Tão errante quanto a escuridão e o sol, ele tropeçava e esbarrava em tudo. Era um desastre. Dia doze de qualquer mês que, pra ele, não passava de uma sexta-feira treze. Mas seu pesadelo foi durante o dia.
Encheu o copo com os pingos da pia. A pia pinga. Pinga a pia. Na pia, pinga. Pinga à pia. E foi assim durante todo o dia.
Que jeito mais astuto de se consentir. Que coisa cruel pra se fingir.
E quem esvaziaria suas mãos? Quem o seu caminho abriria - se alguém pra colocar à frente de tudo ele não tinha?
Ele ficava ali, parado, esperando o vento entrar por entre as janelas fechadas da sua sala mofada.
O aquário verde de limo representava bem sua vida azeda - e o copo - na mão esquerda. 
A tevê fora do ar tornava sua mente devagar. E então começava a divagar. Vamos, deixem o rapaz voar. Esqueçam as antenas, os urubus e as rádios piratas. Ele quer uma ponte aérea. Ele não quer mais nada. 
Apenas outra cama pra deitar. Deixem que ele caia do décimo segundo andar. E então, no décimo segundo, voltar a descansar.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

CADERNOS ÓBVIOS DE ÓBITO

Eu tenho caminhado sobre folhas borradas. Pulado todas as linhas apagadas. Dobrei todos os pontos e vírgulas. Mas não sabia onde tinha deixado de pisar. Onde deixei de pisar?
Deixei de pisar em você!
Sua voz, carregada nos sonhos, era leve em todos os pesadelos. Deixei de dormir durante meses - estava mais preocupado em te acordar. Estava mais preocupado em me apagar.
Hoje sou um monstro - e você é criadora. Você alimentou. Deu abrigo. Confortou. Tirou-me o teto e fez chover. Seu sangue perfeito escorrer. Quero ver meu lençol pintado de vermelho e branco.
E o atrito queima minhas solas enquanto você anda sobre rodas. É isso que furou. Logo criou asas e voou ... E desabou. Mas te pulei. Tiraria a mão do bolso pra enfiar na sua cara. Mas não. Outra oportunidade se esgotou.
Sei que enquanto os frutos caem em minha cabeça, alguém te afunda, alguém te afoga. E esse mesmo alguém vai te empurrar nesse buraco.
E aqui, quando nos encontrarmos, me lembrarei onde deixei de pisar.

domingo, 11 de janeiro de 2009

A TEMPERANÇA

O céu se fecha. O vento obriga os pássaros a voltarem. Observo deitado, observo um coitado, fecho os olhos e temo. Um saco plástico se atrapalha no caminho. É a fé, a crença biodegradável, só pode.
Nenhum fruto cai e mesmo assim eles esperam ansiosos, olhando para cima. Não vêem que a esperança já se foi.
Eu sou o único deitado. Imagino desenhos nas nuvens negras e me esforço pra entender todo o barulho. Mas é quando a minha cabeça transborda que escuto sua voz. Longe, porém limpa.
- Entre, meu bem, uma tempestade está por vir. Pintada de vermelho e olhos claros.