segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O POÇO E O MAU GOSTO

Caiu no poço, virou alheio. Passava todos os dias encharcado. Talvez de tanto chover em suas retinas.
Implorava para que abrissem a tampa. Só um pouco. Sol, um pouco.
Deixem o rapaz respirar, vai.
Mas ele já tomava posição, já se deitava num lugar mais confortável. Riscava menos as paredes. Os ratos nem incomodavam mais, porque ela era a tristeza mais bonita. E ele não tinha do que reclamar.
Às vezes o puxavam, só para enchê-lo de uísque, usá-lo e depois cuspir de volta pro buraco.
Esse sempre foi seu lugar. Era ali que ele largava suas vítimas. Era esse o ponto que deu mais medo durante meses. Talvez anos. Ou então a eternidade.
E nem adianta alagar para subir. Pregaram seus pés, seu peito e soltaram seus demônios. Esses riam.
Sempre que escapava para o bar, alguém cavava mais fundo. Mas ele andava com a morfina entre os dedos.
Devia ser engraçado assistir de longe. Quem se aproximava, via que não era. Mas ele estava alheio. Era transparente mesmo atrás de fumaça de cigarro.
Mas tristeza não se põe na mesa. Então ele a deixava no chão. E sem ninguém perceber, não largava sua mão nem por um segundo. Pode ser pela vontade de ir à janela, só por um segundo. Para sempre. Para sempre sua moradia embaixo da terra.
Para sempre tempestade. Ou a vontade de matar o tempo, e sonhar... para sempre.