quinta-feira, 4 de outubro de 2012

CANTIGA DO SERTÃO



Me empresta um pouco do seu frio, que o calor não me pertence.
Me deixa um pouco dessa seca, que o sertão vem de repente.
Vem sem chuva; sem nuvem; sem suas tão queridas estrelas.
A lua, murcha, não reflete na lagoa seus desejos. Às vezes é melhor dormir pra ver se passam os pesadelos.
Desbravei seu interior em tempos de seca e trouxe um pouco de umidade, um tanto de chuva e às vezes até tempestade. Molhei além da conta e acabei inundando meu cultivo.
Aproveitei essa ressaca e construí, de palafita, um baile, que não seria completo sem sua música ambiente.
Você dançava e dançava e gritava que um dia ia cair; um dia vai cair; um dia caiu.
Os que passam perto desse mangue - do seu mangue - dizem que ainda dá pra ouvir algumas notas daquela valsinha. E de vez em quando as algas sujas rodopiam os cabelos do jeito que você fazia.

sexta-feira, 2 de março de 2012

ESSAS MULHERES

À janela, nos primeiros raios de um sol de sábado, dou os primeiros tragos num cigarro de sexta e marco o batente com cotovelos ralados. Aperto os olhos enquanto fumaças me cegam e enxergo melhor aquela que passa de vestido em sua bicicleta; com a pele brilhando do suor da manhã e do sal do mar. Temperada para amar. Apaixonada pelo vento e apaixonando os que a estão vendo.
A morena do outro lado da rua, com sua sacola de compras e sua timidez quase nua. A inocência de frutas frescas da feira, de olhares indecentes e passadas indiferentes. Pode matar o homem distraído que corre na calçada com seus fones de ouvidos. Causar um acidente; uma tragédia; um engavetamento; um casamento. Causar dor e sofrimento.
Meu cigarro chegava ao filtro quando passava a outra, com cabelos vermelhos e boca pintada. Brilhava mais que o sol e tingia de neon a minha casa.
Apago no batente e jogo a bimba na calçada. Ao olhar pro interior, percebo que, delas, a mais bela acaba de levantar da minha cama. Com o cabelo bagunçado e um sorriso sem graça, põe seu vestido, pega sua bicicleta e será a próxima a passar por trás da minha fumaça.