terça-feira, 2 de novembro de 2010

QUANDO A FANTASIA E A REALIDADE SE AFASTAM

- Lembra de mim?
- Você nunca esteve aqui.
- Estive sim, rasguei seus papéis e sua saia de flores.
- Eu saía com as flores.
- E eu ficava em branco.
- Talvez lembre. Talvez não queira. Talvez deseje.
Era mais uma noite fria de areia. Deserta como o gelo e a cevada.
Ele não queria saber de seu passado. Mas queria fazer seu futuro. De novo.
Era tão dela como a garrafa vazia de quem está imundo.
E ela... ela era tão dela como o líquido de quem um dia foi sujo.
- Você devia dar um jeito nessa sua aparência.
- Sim, estou bebendo.
- Isso por acaso melhora alguma coisa?
- Me acho mais bonito bêbado. É o que o espelho diz... quando acho um.
- Ou quando cai em uma poça.
Ela sabia mais dele que o próprio.
Ele sabia tanto dela quanto sabia de equações matemáticas malucas das quais nunca fez questão de aprender.
Parava, calado, pensando não ser tão previsível. Queria saber se havia alguma razão para uma mulher derrubar um homem apenas porque pode.
Pedia ajuda mas não queria saber da verdade à noite.
Eram seus instintos noturnos que o mantinham com o pé no chão. Que o faziam lembrar quem realmente era.
Que pesavam tanto em seus pés que o faziam atolar.
- Às vezes penso em você como uma criminosa.
- Talvez eu seja: roubei minha liberdade por um tempo. Bom, preciso ir embora.
- De novo?
- Preciso ir embora deste momento.
- Vá, por favor, sem dar tchau.
- Eu vou, mas você paga a conta.
- De novo?