sábado, 29 de dezembro de 2007

REFLEXÕES EM OITO SEGUNDOS

Lua. Linda lua. Grande e avermelhada lua.
Daqui desfocada, meio manchada. Faz com que as estrelas pareçam pequenos peixes e, ela, um buraco no oceano.
Ninguém me nota. A senhora que passa com sua bengala; a garota e seu cachorrinho; o rapaz que acabou de assaltar o bar. Ninguém me vê.
Um simples mendigo, é o que devo parecer. Pobre, sujo, caído. Morto.
E ninguém percebe.
Nem os mendigos, meus amiguinhos de fundo, prontos pra me trair.
Traição não é a palavra certa para eles. Cúmplices, talvez. Assistiram de camarote.
Só não comeram pipoca durante, porque, bom, suas mãos estavam ocupadas estendidas, pegando moedas.
Ela sim, me traiu. E não penso em me vingar. Não posso pensar.
Passaram-se 6 segundos e ainda não me perguntei o porquê de estar aqui, jogado numa poça que, há pouco, era simples e suja água, com suas larvas habituais. Agora avermelhada, e com uma larva a mais.
Antes de atirar, ela disse que isso era o fim do amor. Um fim trágico para um relacionamento igual. Ou um fim igual para outro relacionamento trágico.
Ninguém vai sentir minha falta. E, quem sabe, daqui a algumas horas, esses homens que vejo pelo reflexo, na poça, desfocados, comam minha carne. Depois de dois anos de sofrimento, eu seria útil: alimentaria seres que necessitam de carne, fibras e ferro – espero que aquele que engolir a bala em meus pulmões não tenha dentes.
Eu tive menos de dez segundos pra pensar em toda a minha vida, e não pensei em pedir perdão. Só Deus sabe para onde vou, daqui – talvez nem ele.
E agora não há mais tempo para perdoar ou pedir perdão. Nem para ser perdoado. Já está feito, e o sétimo segundo está acabando com a minha consciência, chegando ao fim. Eu também.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

TÃO FÁCIL POR SER SIMPLES

“As coisas são simples” – Ela disse.
É a terceira onda que molha meus pés, e certas frases não param de esmagar meu cérebro.
São realmente simples, as coisas, pra quem tem o orgulho maior que o ego.
Mas eu já vou, e você vai ficar. Suas palavras desossaram minha cabeça. Mas o que sobrou de mim, vai dissolver seu coração.
E você vai ficar.
Perigo é eu me esconder em você. Mas vou te escrever. Te escrever sobre meus pés molhados, sobre o vento em minha cara. Ou escrever sobre meu rosto molhado e o vento em minhas pernas.
Vou te escrever. Minha consciência foi perdida, mas meus dedos têm vida própria. Eles que começaram com tudo, e terminarão com isso.
E quando o sangue terminar de escorrer, suas lágrimas vão parar. Sim. As suas.
Meu sangue já não escorre mais. Já não bombeia...
Também, não há motivo. Afinal, as coisas são simples.
No fim é sempre igual, a queda só machuca no início. No final, com a angústia, a dor enfraquece.
A dor me enfraquece, escurece. Mas ela reflete, e vai refletir em ti.
Simples, como são as coisas.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

POESIA RETORNO A UMA AMIGA À MORTE

Chove forte, dois pingos, são lágrimas.

Suficiente para afundar, me afundar na serra.

Te afundar na serra, pra nunca mais voltar.

Ancorada. Rodeada de árvores, árvores com fios. Algumas pombas e nada mais.

À noite acendem. De manhã apagam. As pombas nunca voam.

A fumaça impede tudo e todos.

Enquanto isso, eu durmo, ou finjo.

O cobertor me prende, ele pesa em meus ombros.
A artrite também, essa não sai das minhas juntas. Junto com os pombos.

A chuva não pára. Minha cama inunda. E eu não levanto.

Acho que você é que é feliz. Você que mora em dois lugares: aquele meu, que bate, bombeando sangue. E aquele seu, que apanha, distribuindo tarefas, e a distância.

A distância que se tornou passageira.

Sofro demais nesse meio tempo de cinco segundos. Cinco dias. Cinco anos.

Cinco são as semanas de intimidade? Ou seriam cinco semanas e cinqüenta e dois dias?

Quantos serão os minutos de amor? Só a chuva pode responder...

Ela se preocupa mais em chorar. Em não me deixar levantar.

Meu corpo pesa menos que meu coração. Minha consciência continua menor que meu nariz. E minha vergonha... essa foi embora contigo.

Parte de mim se foi. Não pela vergonha, mas pela alma. Minha alma subiu, subiu para o meu lugar, o seu lugar, aí do lado. Grudada, em seus poros, em cada fio do seu cabelo.

Sinto a água virando pedra. Talvez cimento. Talvez minha cova.
Cobertor escuro. A escuridão ainda é pior que essa luz cinza, mas, estamos vivos, ainda.

Você, pelo menos. Eu continuo deitado, com meu dilúvio, meu dilúvio concreto.

Eu chamaria de peso na consciência, mas meu nariz ainda pesa mais.

Chamaria de vergonha na cara, mas minha vergonha se mantém em seus cabelos.

terça-feira, 17 de julho de 2007

VIGÉSIMO ANDAR

Você recita poesias. Eu jogo pedras por aí. Escreva logo minha sentença, antes que eu pense em fugir.

Ela olhava pela janela do carro, via os prédios altos e pensava que um dia seria assim.

Eu observava a sarjeta e descobria conforto. Percebia abrigo. Não sentia a violência. Assim como ela, quando via o próprio rosto nas nuvens.
Movia-se como doce, em meus sonhos. Tinha o olhar mais calmo e inexpressivo que nunca tinha visto. Me dava o primeiro gosto. O céu não podia esperar tanto. E não esperou...
Tão depressa quanto o que aconteceu, desabava em nossas cabeças, nos trazia dúvidas, incertezas. A chuva tentava separar o que o sol soldou.

Oh, céus, por que tanto tememos à felicidade?

É como se a lei nos obrigasse a escutar o que os vultos e encostos têm a dizer. Como se nos forçassem a obedecer.

Eu olhava pela janela do carro, via os prédios altos e pensava que aquilo tudo, como todo grande império, um dia ia cair.

Observava a sarjeta e notava a miséria da qual nunca iria sair.

Ela recitava poesias de como o amor é a salvação do mundo. Mas seus textos não ditavam o ser humano e seus temores. Não falava sobre a inveja. Seus versos não passavam de auto-piedade, guardados dentro daquele edifício, que desmoronava aos poucos.

sábado, 26 de maio de 2007

ISTO NÃO É DIVERSÃO - nem era pra ser.

Contenha-se, confessarei o que se passa por dentro. Por dentro de todos os nervos, músculos, artérias e todas essas coisas que só param com a morte. Ou que nos matam por nunca parar.
Parece comum a fila do banheiro de um bar. Parece comum aquele rapaz que passa pó no rosto. Não é novidade aquele outro que inspira todo pó que cai. É triste aquela garota que te olha com olhar de pena. Pena de si. Pena de mim por não ter pena dos outros. Viver lamentando a falta de carinho. E a falta de dinheiro para o álcool. E a falta do álcool pára o ar.

- Esse está vazio? - disse ela com olhar distante. Olhar úmido e claro. Agressor e desarmado.
- Não, mas você pode ir na minha frente, se quiser.
- Não quero ser problema na sua vida também...

Na fila do banheiro as pessoas são mais unidas. São mais íntimas.
A decisão de entrarmos juntos não foi minha. Juro. Talvez tenha sido o inconsciente-coletivo. Talvez o não-amor que evaporava por seus olhos. Talvez a carência que escorria com meu suor.
Não há melhor maneira de se encontrar um amor. No esgoto. Ao lado dele. Com o cheiro. Todo o ralo e todos os insetos e roedores.
É de lá que vêm todos os amores. E todos os amantes.

- De onde vem toda a paixão? - acende um cigarro, ainda nua.
- Sei para onde foi. Foi pra longe, longe do meu lado. Com a foice. Quando acreditei que tudo era fato consumado.
- Sua paixão não vem com o prazer?

Paixão e prazer não combinam. Só para os farmacêuticos, que sabem dosar os ingredientes nas medidas certas.

- Meu prazer vem com você. Serviço completo. Como todas as histórias que já foram derramadas nesses lençóis.
- Como a última inocência que derramei em seu cetim?
- E todas as dores e gemidos, grudados nele.

Ela levantou, se vestiu. Foi à torneira e, nela, se afogou.
Voltou ao ponto de partida. No banheiro. No esgoto. Entre todos os odores. Sob todo o excremento.

Depois de anos, ainda me pergunto como foi que tudo aconteceu. Aconteceu tão rápido. Não houve aquela coisa bonita do amor. Que amor? O amor que se foi com a descarga.
Uma cerveja. Outra dose de conhaque. O frio me mata... não o frio externo, o interno. Interno naquele músculo que não pára de bater.
Outro banheiro, outra fila. Outras pessoas; novas histórias. E, quem sabe, outra morte.
E assim, através do mundo, ou da noite. Que giram os dias, se combinam. Que repete. Erram e nos enterram. E nos repetem.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

ALCOOLISMO E NOSTALGIA

Por toda a existência, vidas se unem ou carregam de si poucas coisas. Que nada significam.
Como um jovem escritor, que leva consigo seus textos mal explicados, inacabados. Seus contos trocados.
Se para alguns animais a vida se resume em caçar, procriar e morrer. Para o ser humano, se resume em encontrar alguém pra amar, sofrer e morrer. E amar por sofrer. Sofrer por amar. Morrer, por se estragar.
Como um jacaré que mora no esgoto. Se afoga em seus vícios. Faz de tudo para encontrar um motivo. Os vícios são mal-vistos e vestidos. Vestem suas fantasias, os levam por caminhos impressionantes que, no fim, voltam ao esgoto.
Como um alcoólatra, que da vida sabe tudo, mas nunca vive nada. O tempo inteiro embalsamado. Parado. Morto em frente o balcão, com um copo na mão. Um corte profundo no coração.
Como aquela que se foi. Fez questão de abandonar. Assassinou por tabela o seu amor. Hoje passa os dias no colchão. Nostalgia não lhe serve mais, deu lugar à depressão.
E a boneca de pano. Como alguém que sonha. Tem planos. Murchando junto às violetas. Que, na janela, olham o mundo inteiro sem poder se soltar da terra.
Assim como o ser humano, que da terra não sai. E sobe pelas paredes para olhar por trás do muro. E descobrir que, do outro lado, há apenas um espelho.


sábado, 5 de maio de 2007

ENJÔO

"Às vezes me sinto tão cheio. Quero te dizer que me sinto bem...". Todas as cervejas acabaram, junto com a esperança. Aos poucos, se sufoca com seu último cigarro, que saboreia devagar e aproveita cada milésimo de prazer que a fumaça lhe proporciona.
No bar, parece que a vida tem muito mais sentido. Que cada gota de álcool torna seus problemas mais suaves. Seus desabafos mais audíveis. Ha...
Mas agora, que não há mais cerveja, a realidade vem à tona. Ela realmente o deixou, sem motivos, simplesmente o largou. Todo ser humano tem seus direitos reservados. O direito de enjoar de alguém, na hora que quiser, do jeito que entender.
Depois do sexo ela abriu uma vodca, encheu um copo-de-requeijão e se destruiu. No segundo copo, abriu a boca. Vomitou em cima dele tudo que estava entalado. Todas as verdades omitidas, todas as mentiras fantasiadas, todas as tragédias digeridas.
Na verdade, tudo isso se resumiu numa simples frase: "Enjoei. Você me enjoou".
Sem a cerveja, essas palavras martelam em sua cabeça. Machucam cada vez mais. Agora ele anda em direção ao mar, vai fundo, vai longe. E deixa ser levado pelo destino - ou pelas ondas.
Amanhã, quando ela acordar - com ressaca - vai descobrir que não era esse enjôo que sentia. Que seu enjôo era vício. E que seu vício a transformou em assassina.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

A CHUVA

Enquanto ela corre, a chuva não pára, não para ela. Tentando ao máximo se manter de pé em seus saltos, vai escorregando, escorrendo, pelas beiradas, suada, molhada, fingindo que ninguém repara. Assim como a chuva, a chuva, essa não pára.

Ouve-se ruídos, um bipe, um gemido, um celular a tocar. Ela não atende, está mais preocupada em chegar ao seu destino. O celular toca sem parar. Agora, não tem mais como fingir que não reparam, todos olham. Todos vêem aquela mulher correndo em círculos, dando voltas, tentando contornar o quarteirão, tentando desenhar seu rumo. Carros passam desapercebidos, motos cortam a chuva, desaparecendo. Não se vê bicicletas ou pedestres em sã consciência. A chuva ameaça inundar, ameaça alagar, e afogar. Ameaças que pra ela nada significam. Não há tradução sensata às ameaças sem sentido, desfiguradas, entre a chuva e a ventania. Outro bipe, mais um toque, agora, apenas um.

Outra esquina. Parece não ter fim. Não se sabe onde ela quer chegar, nem ela sabe onde chegará, a chuva a cegou. Ela quer ir pra casa, seu lar, quer se secar, ou se afogar de vez.

Agora, não há mais ruídos, não há mais chuva, ou vento. Não há mais nada. Tudo que existe é a mensagem de perdão, naquele aparelho, que foi jogado longe, longe... Em outra estação. Junto com todo seu resto, tudo que sobrou foi o nada. E o sangue. E a chuva. ah... essa não dá conta de limpar tudo.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

IMUNDO

Casas; árvores; carros; pessoas; pássaros. A vista aqui de cima me cansa. Esse é meu lugar favorito, da casa, mas acho que devo cobrir a janela. Cansei da claridade. Cansei do mundo.Do exterior. Do lado de fora da janela, do vidro, dos cavaletes. Cansei.

Talvez a poeira me consuma assim como consumiu o sótão onde eu durmo. Onde eu vivo. Onde escrevo minha história. História que já nem sei onde está. Onde eu a larguei? No armário, talvez. Seria bem mais fácil se eu soubesse com certeza onde fica o armário. Todo esse pó prejudicou minha visão, meu olfato e minha voz. Mas minha audição está perfeita, consigo escutar ruídos inaudíveis, coisas de outro mundo. De outras vidas. E ainda tenho muito tato. Tanto que, meus sentimentos, sinto, com os sentidos. Os poucos sentidos que me restam. Dos que faço pouco caso. Dos que me matam por ainda estarem aqui.

Moro com a minha avó. Na verdade, sem ela. Moro no sótão da minha avó desde a morte de meu avô. Faz anos que o sol não me toca, e que eu não toco o sol. Minha pele foi aquém do tom branco-transparente. Está seca, assim como a poeira, como meu quarto, meu sótão. Eu saio à noite, de vez em nunca, para conseguir – ou tentar conseguir – minhas drogas. Sou diferente de todo adolescente fútil – os incompreendidos pela vida – de hoje em dia. Diferente deles, não uso drogas para fugir do mundo em si, uso para entrar em meu mundo. Fazer minha história, compor, escrever minha vida.

Queria achar meus papéis. Minhas letras. Minhas histórias. Vivo descalça nesse quarto. A poeira já está à altura do peito-do-pé. Imagino quantas doenças já devo ter contraído e quantas já devo ter expelido. Pelos meus pulsos, meus pulsos cortados. Cortados em transversal, pois, não quero me matar. Quero fazer arte. Fazer arte do meu sangue. Do meu sangue fazer arte. Quero mostrar ao mundo que a arte jorra por meus poros, ou, por minhas veias. Minhas veias cortadas, dilatadas, mutiladas, distribuídas por aí. Pelo chão do quarto, embaixo da cama, perto da estante.

Perdi a conta de quantos dias não tomo banho. A água maltrataria minha pele que, a poeira, fez questão de cuidar. Meu quarto, o sótão, é de imensa fauna. Existem animais – insetos – de todas as espécies. Insetos venenosos, víboras asquerosas, vermes generosos. Todos a meu favor, às minhas ordens, ou não. Fazem o que querem, badernam a noite inteira, o dia todo. São governados pelos ratos. Tenho certeza. Afinal, tudo hoje em dia, é governado por ratos. Não ratos qualquer. Não quaisquer ratos. Ratos espertos, saídos do esgoto, ratos malandros, sabidos, não ratos trouxas caindo em ratoeiras por misérias de queijos. Com aparência boa, o mesmo cheiro de podre, de esgoto, mas uma boa imagem. Afinal, aquele que não é fotogênico não se ergue, não no reino dos roedores, pelo menos.

“Elis, Juliana veio lhe visitar”.Quanto tempo faz que ninguém me visita?

“Menos de 24 horas, Elis, chega de drama. Você vai sair comigo hoje. Tome um bom banho. Arrume-se. Te emprestarei algumas roupas. Preciso te tirar desse lugar imundo. Não consigo entender como alguém pode viver aqui em cima. Ainda mais no escuro!”

Não se pode divagar nesse mundo?

“Divagar é tudo o que você faz. Fica o dia inteiro aí com sua melancolia e suas fantasias. Trancada no seu mundo particular onde só você existe. Você tem que sair dessa vida. Chega, Elis, uma garota tão linda como você não pode ficar trancafiada dentro de um sótão imundo como esse.”

Uma garota tão linda como eu pode muito bem fazer o que der na telha. Garota... ham. 24 anos e ainda sou obrigada a escutar uma dessas.

“Garota, sim. Porque é o que você parece. Uma menininha, infantil, criança. Fazendo coisas de adolescentes bobas de 15 anos que tanto dizem que são depressivas. Depressão... coitadas, mal sabem elas o que isso é realmente.”

Elas podem não saber. Mas eu sei. Sei tanto que vivo dentro de uma bolha e não quero sair dela. Pelo menos me entendo comigo. E com minha dor. Minha dor me entende e assim me trata bem. Procuro meu amor, oh amor, que te perdi, perdi embaixo de minha cama, junto com algumas camisinhas usadas e outras furadas. Junto com orgasmos mutilados e outros multiplicados. Esqueça, oh amor, não te quero mais pra mim, quero apenas te encontrar e ver teu fim.

“Eu tenho medo de você, sabia, Elis? Das coisas sem sentido que você fala. Você perde seus amigos pouco a pouco. Não percebe? Nunca se deu conta? Você precisa mudar”.

Péssima mania essa, do ser humano, de achar que tudo que está fora do padrão tem que mudar. Mudar... não exatamente mudar, apenas, entrar no padrão. Voltar ao normal. O kitsch é inaceitável pelos normais. A burguesia manda, os capachos obedecem, as engrenagens giram. Assim o mundo roda e se afoga indo pro lado oposto do que deveria ser correto. Eu nem me atrevo a dizer o que é correto e o que não é, mas poderia ser. E o que é errado. Exato. Já era. Não me atrevo. Posso ser a rainha da melancolia. Mas tenho medo de julgamentos, e é o que fazem quando alguém se atreve. Eles julgam. E você vai ralo abaixo junto com as baratas e alguns vermes.

Deixe-me aqui, Carina. Tenho que procurar minha história. Tenho que me descobrir.

“Juliana, Elis, Juliana. Que saco.”

Odeio Juliana. Não combina com seu rosto. Nem com seus cabelos. Além do mais, dei meu recado, não quero sair.

Detesto ter de falar assim com meus “amigos”. Mas fazer o que se prefiro ficar sozinha? Quero ficar aqui, me deixem. Deixem-me com minha história, minha poesia, minha arte. Minha história, onde está?

Tenho que achar o armário. Está escuro, não vou abrir a janela, os insetos podem entrar. E reinar, me expulsar do meu lugar. Seria interessante ver a briga com os ratos. Tenho medo de procurar minha história embaixo da cama, tenho medo do que possa encontrar. Abaixo do colchão é um infinito. Um infinito de misérias. Mas está ali, esquecido no lugar mais escuro do meu mundo. Embaixo da cama, do colchão, quem reina ali embaixo? Ainda os ratos? Ou será que são os fracos? Alguém reina?

Minha visão está ficando cada vez pior. Meu olfato se estragando com tanto pó. Minhas narinas dilatando. Minhas pupilas derretendo pouco a pouco. Mas escuto bem, ah, escuto sim. Escuto os vermes conversando, são bons, ótimos matemáticos, principalmente em multiplicação. Se multiplicam e dominam. Julgam-se mais espertos. E são mesmo. Ai daquele que em pleno século XXI não seja um verme. Uma simples baratinha.

Com tanto pó e tanta escuridão não vejo por onde ando. Tropeço em algo, um barulho oco, seco, leve. Há papeis aqui, com escritas, com rabiscos. Desenhos de certas vidas que estão mortas. Minha história. Encontrei. Minha história. O tempo todo na lixeira, na sarjeta, no lixo. Minha vida inteira, no lixo. Como minha poesia, na sarjeta. No esgoto como os ratos, com os ratos, minha história no lixo. No simples cesto do infinito. Oh, minha história. Minha arte; fantasia. Parei de divagar desde o lixo. Encontrei meu motivo, minha história, minha arte. Meu lixo particular. O mundo, esse mundo, imundo, que eu vivo.




(algumas citações: Santiago Nazarian; Marica Tiburi)

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

ALGUNS CONTOS E UNS TROCADOS.

Tudo se baseia em Elis.
Menina; garota, ainda não uma mulher.
Uma adolescente querendo transcender, transgredir, querendo descobrir seu próprio caminho sem a ajuda de ninguém. Mesmo se quisesse, não teria a ajuda de ninguém. Afinal, ninguém, é tudo e todos que ela conhece, sabe e tem.
Andando sempre com sua anestesia entre os dedos. Pronta para se safar de quaisquer dos problemas banais que tanto afligem o ser-humano. Por aí, pelo mundo, com suas drogas, sua arte e seus amigos imaginários. Sobrevivendo, apenas, sobrevivendo.