quinta-feira, 31 de março de 2011

SEM AÇÚCAR, COM AFETO.


Quando ela foi à cozinha preparar o café-da-manhã eu já a esperava com a xícara mais amarga. Não ia oferecer a ela o café outrora recusado. Não queria esquentar a manhã de um dia nublado.
Ela lançou o olhar que sempre lançava quando eu acordava de mau humor. Era uma gentileza irônica no lugar de  um simples bom dia. Aliás, era uma gentileza irônica pensar que, aquele, seria um bom dia.
Eu vestia luto da cabeça aos pés. Nunca havia acordado daquela maneira: nú, mas com o corpo em luto. Lutei para parecer natural, mas o natural me fazia muito mal.
Antes que ela pusesse seu primeiro pensamento do dia no lugar, eu já havia batizado o café. E antes que ela fizesse sua primeira oração, de bate-pronto, abri a boca para soltar um belo e cinzento: "Meus pêsames".
Eu me adiantei a tudo o que poderia vir depois, se ela o fizesse antes de mim. Me adiantei ao destino - e me adiantei ao meu próprio velório.
Antes que qualquer sinal de lágrima vestisse seus olhos, ela deixou que sua saia caísse. E decidiu que de casa eu saísse.
Eu senti que cada palavra dela tinha o gosto azedo do uísque vagabundo de ontem. E cada palavra que calei tinha o gosto amargo da ressaca de sempre.
Ganhei a aposta. Ganhei, antes mesmo, que ela dissesse o resultado. O seu olhar autoritário da manhã, de olhos tão claros que me faziam apagar, me cantaram o jogo.
Vesti meu luto, novamente, e saí de lá para o poço que, ela sabia, era a única que poderia me tirar.

Nenhum comentário: