- Lembra de mim?
- Você nunca esteve aqui.
- Estive sim, rasguei seus papéis e sua saia de flores.
- Eu saía com as flores.
- E eu ficava em branco.
- Talvez lembre. Talvez não queira. Talvez deseje.
Era mais uma noite fria de areia. Deserta como o gelo e a cevada.
Ele não queria saber de seu passado. Mas queria fazer seu futuro. De novo.
Era tão dela como a garrafa vazia de quem está imundo.
E ela... ela era tão dela como o líquido de quem um dia foi sujo.
- Você devia dar um jeito nessa sua aparência.
- Sim, estou bebendo.
- Isso por acaso melhora alguma coisa?
- Me acho mais bonito bêbado. É o que o espelho diz... quando acho um.
- Ou quando cai em uma poça.
Ela sabia mais dele que o próprio.
Ele sabia tanto dela quanto sabia de equações matemáticas malucas das quais nunca fez questão de aprender.
Parava, calado, pensando não ser tão previsível. Queria saber se havia alguma razão para uma mulher derrubar um homem apenas porque pode.
Pedia ajuda mas não queria saber da verdade à noite.
Eram seus instintos noturnos que o mantinham com o pé no chão. Que o faziam lembrar quem realmente era.
Que pesavam tanto em seus pés que o faziam atolar.
- Às vezes penso em você como uma criminosa.
- Talvez eu seja: roubei minha liberdade por um tempo. Bom, preciso ir embora.
- De novo?
- Preciso ir embora deste momento.
- Vá, por favor, sem dar tchau.
- Eu vou, mas você paga a conta.
- De novo?
terça-feira, 2 de novembro de 2010
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
quinta-feira, 15 de julho de 2010
O SEU CÃO SEM DONO
Levantei e fui buscar a última latinha de cerveja que ainda gelava no freezer. A única coisa que ainda me fazia companhia, nesse tempo e espaço, era o cachorro que, abanando o rabo, pedia o mínimo de carinho e era ignorado.
A televisão no mudo. A música tocando. E a falta de cigarros.
Faltava, aqui, mais que cigarros. Faltava calor.
Como um bêbado, saí dessa casa, deixando aquele mesmo cachorro sem carinho.
Andei em busca de encontrar a mim mesmo dentro de algo que não existia mais.
Eu não existia mais. Bêbado e, ainda sem cigarros, voltei para o fim. Meu fim era somente o mesmo cão sem dono. O mesmo rabo abanado e sem nada.
Cão, me chama de cão?
A televisão no mudo. A música tocando. E a falta de cigarros.
Faltava, aqui, mais que cigarros. Faltava calor.
Como um bêbado, saí dessa casa, deixando aquele mesmo cachorro sem carinho.
Andei em busca de encontrar a mim mesmo dentro de algo que não existia mais.
Eu não existia mais. Bêbado e, ainda sem cigarros, voltei para o fim. Meu fim era somente o mesmo cão sem dono. O mesmo rabo abanado e sem nada.
Cão, me chama de cão?
Esse texto é do Roberto Neto (Betinho) em homenagem a mim.
sábado, 19 de junho de 2010
O RINGUE DE DOIS ESTADOS

Manteve o peito fechado o tempo inteiro depois dela. Qualquer faca entortava. Ele, torto, encostava.
Continha uma porta fechada. Um segredo afastado. Uma história inventada.
Outra crônica interrompida. Mais do mesmo. Sempre isso. Mais que isso.
Era meio que uma cegueira proposital. Sentia-se como uma compota de banana.
Assim, ela o deixava de joelhos. Como um pugilista - ele apanhava, ficava inconsciente e continuava de pé para o próximo assalto. De todos os assaltos, o dela foi o único com nocaute. De todas, ela era a única que colocava seu cérebro pra funcionar. Colocava sua cabeça fora do lugar.
Após vários e vários golpes em seu rosto, seus olhos e seu fígado. Após desfocar sua vida inteira. Ele continuava com uma fita em branco. Uma bandeira branca com a velha esperança da paz. A paz que nunca viria.
Agora, aquilo que via com saudade, olha com tristeza. Aquilo que via em branco e vermelho, agora vê em preto e segundo plano.
E daquela tristeza, tão remota da próxima cidade, fez maldade.
Da maldade fez limpeza.
E da limpeza... fez bobagem.
terça-feira, 18 de maio de 2010
CONSECUTIVO ERRO

Eu vejo a saia da moça, tão doce, de seda, sedenta, querendo voar.
E suas pernas de louça, na brisa, tremendo, me faz arrepiar.
Era tão bela, tão fina, de fato, tinindo, deixando encharcar.
Outra ressaca, entrada, saída, mais outra ferida ao começar.
Era tão sóbrio, o desejo, que o matava de medo só de pensar.
Novo sentido, outro beijo, o brejo, a sarjeta, um poço pra se afundar.
Um desencanto.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
O ÚLTIMO DIA DO MÊS DA CHUVA

Fazia frio. Não por causa da estação, da chuva ou da brisa, o frio vinha do tédio.
O som ambiente era de caos e fantasia. Tudo parado, congelado, só hemácias movendo - e células amareladas de nicotina no contra-fluxo.
Mesmo do último andar, o olhar dela era óbvio ao horizonte. Tão frio e úmido quanto o clima da metrópole cinza.
As águas de março haviam se antecipado - e o verão se escondido, pelo menos, nove meses antes.
O tom alaranjado do outono não existia, mas o vermelho e o amarelo se misturavam numa sincronia lisérgica perfeita.
E ele cinza...
Ela rosa, botão e espinhos.
Na tevê, a previsão para os próximos meses era de frente fria, ar seco, pancadas de chuva e poluição, de vez em quando, se lhe fosse vantajoso.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Prêmio Top Blog
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
SOBRE O VÍNCULO

Serviu-lhe de apoio, então. Cobriu-a com um teto e edredom. Deu o que beber e o que morder.
Já havia sentido o conforto de seu colo, uma vez, mas não tão intenso e interno como agora. Come, agora, mata sua fome. Foi uma madrugada de banquetes fartos. Enchia sua cabeça e sua boca com metáforas. Metia afora os pensamentos e o que mais conseguia, o que mais podia. Pararam, era hora de sonhar.
A manhã já não era tão clara quanto a noite. Era pintada de cinza e batom. Pálido e canção.
Ela não queria atravessar o rio e voltar pro lar, não sabia nadar. Ele, bom, sentou na primeira mesa e se deixou afogar.
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