Fechei a porta. Já estava puta com o sereno e, bom, pode ser estranho, com o pouco barulho da rua. Não que eu seja daquelas que preferem o caos à paz. Eu prefiro a paz, juro, mas a minha cabeça estava um caos e nada mais justo que o resto do mundo ficasse no mesmo nível. Também odeio o fato daquele infeliz ter me feito queimar o último cigarro do meu maço. Devia ser crime acordar uma mulher e irritá-la a ponto de fazê-la gastar o último cigarro. Crime. E não pense que pílulas resolveriam o meu problema, pois tenho certeza que o meu problema está se resolvendo por aí, pela rua, nesse exato momento, em algum tipo de orgia, ou outra coisa tão solitária quanto. Pílulas nunca me trouxeram felicidade, apenas prejuízo financeiro. Prefiro a boa e velha cerveja.
No meu quarto você encontra dois
armários, não que eu tenha roupa demais – não tenho – é que eu tenho tralha
demais. Sou dessas que guardam tudo o que um dia fez sentido, com carinho, num
cantinho só seu. Duas cômodas. Um criado-mudo. Uma cama de casal com o lado
esquerdo mais fundo que o direito. Uma escrivaninha com um computador velho e
um abajur. E uma caixa em cima do armário maior. Uma caixa onde eu costumo...
costumava... guardar coisas importantes de um passado sem importância.
O ponto é: com tantas gavetas e
portas à disposição, por que, merda, tinha que abrir a caixa? Madrugada, sem
cigarro, com os joelhos ralados e uma cicatriz novinha na perna, tudo o que me
faltava era soltar todos os fantasmas que demorei tanto tempo para prender.
Em algum momento, que não sei dizer,
os papeis pareciam mover-se sozinhos. Eram tantos. E tão rabiscados. Uns
realistas, outros abstratos. Tristes. O sol já batia à janela, anunciando mais
uma noite de sono perdida. E à janela, também, vinha o barulho que faltava para
sentir um pouco de vida. Eu, encharcada de sal e melancolia, com o vestido
quase transparente de tanto suor, lágrimas e descobertas, sentia-me muito mais
pesada. Buzinas, fumaças, batidas e berros traziam o começo de outro dia que eu
nunca quis. Tive que fincar os joelhos no taco para perceber: nunca te fiz
feliz.
Trecho do capítulo O Apartamento, A Francesa e O Centro - do livro "Laura".
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